Disseminação de fake news desafia jornalismo

Kailan Nunes e Larissa Figueiredo

Imagem/Freepik

A propagação de fake news nas redes sociais compromete a credibilidade das informações e impacta profundamente a sociedade. Alcançando um público vasto e diversificado, a disseminação de fake news coloca no centro do debate a relação entre a ética e os limites da liberdade de expressão no contexto midiático. Além de demandar esforços legislativos, implica reforçar o papel da informação jornalística na vida social.

Uma pesquisa do Instituto Locomotiva obtida pela Agência Brasil revela que quase 90% da população brasileira admitiu ter acreditado em conteúdos falsos. Segundo o levantamento, oito em cada dez brasileiros já deram credibilidade a fake news, apesar disso, 62% confiam na própria capacidade de distinguir informações falsas das verdadeiras em um conteúdo.

Os conteúdos falsos incluem: 64% sobre venda de produtos, 63% relacionados a propostas em campanhas eleitorais, 62% sobre políticas públicas como vacinação, e 62% envolvendo escândalos políticos. Além disso, 57% afirmaram ter acreditado em informações mentirosas sobre economia, e 51% em fake news relacionadas a segurança pública e sistema penitenciário.

De acordo com dados levantados pela revista Caderno Pedagógico, pelo menos 2 mil publicações envolvendo notícias falsas foram registradas em 2023. O número quadruplicou em relação ao ano de 2018, que corresponde ao período anterior à pandemia.

Dados: Revista Caderno Pedagógico

Os esforços para combater o cenário da desinformação se concentram no legislativo. Projetos como a Lei Brasileira de Liberdade na Internet, Responsabilidade e Transparência Digital na Internet (PL 2630/20), conhecido como PL das fake news são discutidos.

O PL foi aprovado em 2020 pelo Senado e é analisado, há quatro anos, por um grupo composto por parlamentares, professores e especialistas em direito no âmbito digital e representantes da Meta, empresa responsável pelo WhatsApp, Facebook e Instagram.

O Brasil conta com o Marco Civil da Internet que foi instituído pela Lei nº 12.965/2014 e representa um marco regulatório para a governança da internet no Brasil. A Lei Geral de Proteção de Dados é um exemplo de legislação que atua também no âmbito das notícias falsas quando envolvem pessoas físicas, como esclarece a especialista em LGPD e professora do curso de Direito da Fumec, Débora Gonçalves.

Na era digital, os dados se tornaram cobiçados por marcas e empresas. A especialista explica os riscos nessa prática. “Quando eu acesso um site para comprar um sapato, uma roupa, aquela empresa vai recolher meus dados através dos cookies que são instalados no nosso computador e ali vai montar um perfil comportamental do que eu gosto, quais são as minhas preferências, qual o meu número de sapato, da roupa, para onde que eu gosto de viajar. Então, essa tecnologia começa a me identificar e aí ela é como se fosse um quebra-cabeça”, pontuou a professora.

Débora esclarece que a atividade jornalística não está nos limites da LGPD, visto que protege somente pessoas físicas. No entanto, a especialista lista boas práticas para jornalistas estarem de acordo com a legislação de dados.

“Se você vai tratar os dados pessoais de uma pessoa e passar uma informação para terceiros, para a sociedade, colete o consentimento de forma inequívoca. Verifique se os dados estão corretos e fique atento ao dado que está coletando e se de fato aquele dado é necessário. Muitas vezes nós coletamos dados de forma excessiva, então talvez aquele dado que você coletou, ele pode ser anônimo? Se eu preciso identificar quem é?”, indagou a especialista.

Débora explica também os limites da LGPD. “Os dados de pessoa falecida não são protegidos pela Lei de Proteção de Dados, assim como dados da pessoa jurídica. Então, muitas vezes tem empresários, pessoas jurídicas que nos procuram perguntando sobre vazamento de dados, mas LGPD não vai proteger os dados da pessoa jurídica.”

Jornalismo

A presidente do Sindicato dos Jornalistas Profissionais de Minas Gerais, Lina Rocha, destaca a importância da ética e da checagem de informações como pilares fundamentais da profissão jornalística, os desafios enfrentados pelos jornalistas na era digital e a necessidade urgente de regulamentação e fortalecimento das práticas profissionais.

“Eu costumo dizer que um dos maiores concorrentes que nós temos hoje, e desleal, são as fake news,” afirma a presidente. Segundo ela, enquanto o jornalista profissional apura e divulga fatos com conduta ética, técnica e rigor na checagem, as fake news são notícias manipuladas e distorcidas, sem compromisso com a verdade.

Para Lina, o papel do jornalista é crucial na diferenciação entre verdade e desinformação. “A checagem faz toda a diferença. Apontar fontes, sejam oficiais ou não, e explicitar ao público que a matéria passou por uma conferência rigorosa é fundamental”, destaca. Esse processo, segundo ela, garante que o leitor tenha segurança no que está lendo.

Um dos métodos mais eficazes para combater as fake news, de acordo com a jornalista, é confrontar informações falsas com dados verídicos. “Quando o profissional de jornalismo se depara com uma notícia falsa, a forma de combater é confrontar essa notícia com dados reais, apurados pelo jornalista,” explica. Segundo ela, essa conscientização desde o início da carreira é crucial para preparar jornalistas comprometidos com a ética e a verdade.

Lina Rocha também aborda a ética na publicação de notícias, especialmente no contexto das redes sociais, onde a velocidade da informação muitas vezes compromete a verificação. “A ética hoje é um tema universal. Muitas matérias são feitas com o incentivo de ganhar cliques e seguidores. Por isso, é fundamental pensar três vezes antes de publicar algo, apurar bem, ouvir os dois lados”, afirma. Segundo ela, mesmo com a agilidade exigida pela internet, a ética deve sempre estar em primeiro lugar.

Para Lina, a criação de um marco digital que regulamente a conduta ética nas redes sociais é essencial. “O Marco Digital seria uma regulamentação sobre a conduta ética nas redes sociais e a forma como os profissionais que trabalham nelas devem atuar,” explica. Ela defende que a liberdade de expressão deve ser equilibrada com a responsabilidade, evitando que se fale qualquer coisa sem considerar as consequências.

Outro ponto levantado por Lina Rocha é a necessidade de regulamentação e atualização das leis que regem a profissão jornalística. “A profissão sofreu grandes mudanças com o impacto tecnológico. Precisamos atualizar as regulamentações para proteger o profissional que produz a notícia,” argumenta. Ela menciona que a Federação Nacional dos Jornalistas (Fenaj) está pautando a volta do diploma e outras regulamentações essenciais para fortalecer a profissão.

*Com informações de Maria Júlia Coelho

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