Jornalismo: entre a ética e a busca por audiência

Reprodução/Biblioteca do Google

Por Ana Clara Cabral, Ana Luíza Adolfo e Pedro Paiva

A mídia tem um papel fundamental na formação da opinião pública e construção da realidade social. Considerando o mundo dominado por um ciclo frenético de notícias, a busca por atenção se torna cada vez mais acirrada. Nesse cenário, coberturas sensacionalistas ganham força, capturando olhares e gerando cliques. 

O dicionário Oxford Languages define sensacionalismo como o uso e efeito de assuntos sensacionais, capazes de causar impacto, de chocar a opinião pública, sem que haja qualquer preocupação com a veracidade. De acordo com a doutora em Sociologia pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Maria Cristina Leite Peixoto, apesar do uso comum da forma sensacionalista de fazer jornalismo, a prática é muito antiga. “É difícil citar quando exatamente começaram as práticas sensacionalistas no jornalismo, mas, há registros do século 19 nos Estados Unidos e na França em que reportagens de tom sensacional são colocadas em destaque, então podemos dizer que o estilo sensacionalista acompanha o jornalismo tradicional desde o seu início”, ressalta a socióloga. 

O filósofo e sociólogo polonês, Zygmunt Bauman (1925-2017) em sua obra Liquid Modernity (2000) analisa a “sociedade líquida”, caracterizada pela incerteza, individualismo e fragilidade dos laços sociais. O autor explora como a violência na mídia pode ser vista como um sintoma dessa sociedade em crise, e como ela contribui para a sensação de medo e insegurança entre as pessoas.

Violência

A repetição exaustiva de crimes violentos nas manchetes pode causar a sensação de que a violência está em toda parte e em qualquer momento, levando as pessoas a se isolarem, restringindo sua liberdade e alterando seu comportamento.  Além disso, o sensacionalismo muitas vezes distorce a realidade, apresentando os fatos de forma exagerada e descontextualizada. Essa desinformação pode contribuir para a criação de estereótipos e o aumento do preconceito contra grupos específicos, alimentando a discriminação e a segregação social.

De acordo com um levantamento feito em 2023 por pesquisadores da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), de 2001 até outubro de 2023 foram registrados 36 ataques com a intenção de causar morte e que tenham sido planejados contra escolas públicas ou privadas no país. Do total, 26 aconteceram a partir de 2019. Um exemplo recente disso é o Massacre de Suzano. Em 2019, um ataque a tiros em uma escola da cidade de Suzano, em São Paulo, deixou 10 mortos. A cobertura sensacionalista do caso, com imagens fortes e manchetes chamativas, gerou pânico na comunidade e nas escolas de todo o país, além de banalizar a violência e dificultar o debate sobre suas raízes.

A exposição constante à violência na mídia pode levar à dessensibilização do público. Com o tempo, atos violentos podem se tornar banais, perdendo impacto emocional e tornando-se mais aceitáveis. A normalização da violência pode aumentar o risco de comportamentos violentos na sociedade. A cobertura sensacionalista de um crime, por exemplo, que inspira outros a cometerem atos semelhantes, buscando imitar o que viram, ou buscando a mesma notoriedade. O efeito de contágio é especialmente prejudicial em comunidades já fragilizadas pela violência.

O Código de Ética dos Jornalistas Brasileiros (CEB), estabelecido pela Federação Nacional dos Jornalistas (FENAJ), apresenta em seu sétimo artigo a vedação ao uso do jornalismo para incitar a violência, a intolerância e o arbítrio.  Entretanto, a repetição exaustiva de crimes violentos nas manchetes pode influenciar o comportamento de indivíduos, incitando o ódio social, a discriminação e a violência. Fatores como a falta de regulação das redes sociais também facilitam a promoção de discursos de ódio.

Izabel Azzi/Arquivo Pessoal

A mestre em psicanálise pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), Izabel Azzi, afirma que cada indivíduo, com suas particularidades, pode reagir de uma forma ao conteúdo que recebe. “O ser humano é complexo, parte da nossa psique é atraída pelo mal, agressivo e violento. Esse tipo de notícia atrai por ser algo que as pessoas temem que aconteça com elas, mas também pode ser porque elas tenham um prazer sádico de ver e saber sobre determinado assunto ou porque tenham prazer com o sofrimento alheio”, completa. 

Segundo ela, o sensacionalismo tem como objetivo a manipulação em massa e na maioria das vezes é consumido por pessoas sem senso crítico, pessoas facilmente influenciáveis e vulneráveis psicologicamente, por isso pode ter sérios reflexos no dia a dia. “No cotidiano, o sensacionalismo pode aumentar a alienação de alguns indivíduos, a falta de crítica, conhecimento, cultura e educação. Além de promover preconceitos e pensamentos políticos distorcidos”, ressalta a psicanalista.

Espetáculo

O código de ética serve como um guia fundamental para a conduta profissional dos jornalistas que orienta sobre o compromisso do jornalista com a verdade e a informação e com a apuração precisa e a correta divulgação dos fatos. Contudo, é possível observar que ambos são violados com a espetacularização das notícias, promovendo a desinformação e manipulação da opinião pública, a perda de credibilidade da mídia, o desrespeito à privacidade das fontes e até mesmo o aumento da violência e do ódio social.

Elisangela Colodeti/Arquivo Pessoal

A jornalista e professora universitária Elisangela Colodeti, ressalta que a espetacularização das notícias dialogam mais com o entretenimento do que com o jornalismo informativo e por isso é considerada inadequada. Entretanto, segundo ela, o jornalismo tradicional também utiliza técnicas presentes na linguagem sensacionalista. 

“O jornalismo sensacionalista dialoga com as emoções de quem vai consumir determinado conteúdo, mas, muitas vezes, nós, do jornalismo informativo, precisamos usar técnicas menos explícitas para dialogar com esse lado do nosso espectador. Por exemplo, para escrever manchetes, títulos e intertítulos, sempre pensamos na forma em que devemos escrever para prender a atenção do leitor, mas, observando os limites para não ultrapassar a ética jornalística”, enfatiza Elisangela.

A jornalista afirma que a reação do público é uma incógnita e, de acordo com ela, existem públicos que entendem o sensacionalismo como um aprofundamento da notícia e que, por isso, consideram o modelo mais adequado. Já outras pessoas, com senso crítico mais aflorado, tendem a ver o estilo ultrapassando os limites do que realmente é de interesse público.

A cobertura jornalística de crimes, de forma responsável, não alimenta o medo, a desinformação e a normalização da violência. A sociedade também tem um papel importante na construção de sua mídia. É crucial que os consumidores de informação sejam críticos e questionadores, buscando fontes confiáveis e cobrando um jornalismo ético.  Colodeti comenta a seguir sobre os procedimentos adotados na cobertura dos ataques em escola e crimes.

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