Jornalismo investigativo: conflitos éticos na comunicação em rede
Arthur Mesquita, Ricardo Soares e Samuel Fernandes
Reprodução/Freep!k
O jornalismo investigativo no Brasil ganhou destaque com reportagem de Caco Barcellos ao expor as operações da ROTA, após a Constituição de 1988. Ele revelou que muitas vítimas na periferia de São Paulo não tinham histórico criminal, em seu livro “Rota 66 — A História da Polícia que Mata”, de 1992. A reportagem relata a investigação sobre o assassinato de jovens, geralmente pobres e negros, por um grupo de matadores que opera com o aparente aval da justiça militar.
Esse marco impulsionou o crescimento do jornalismo investigativo no país, evidenciado por eventos e cursos especializados, como os da Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji)
Todo jornalismo é investigativo, pois para que uma notícia seja construída, a busca pela confirmação da veracidade do fato é uma premissa. O que diferencia o jornalismo investigativo dos demais é a complexidade dos fatos, implicando a consulta de muitas fontes e informações ocultas que precisam ser localizadas para dar corpo à notícia.
Contudo, jornalistas investigativos enfrentam riscos no exercício profissional, como exemplificado pelo caso trágico de Tim Lopes.
A internet deve ser usada para auxiliar na produção da notícia, encurtando o caminho até as fontes, proporcionando agilidade no acesso a documentos e facilitando a comunicação com fontes de outras localidades. No entanto, a comunicação em rede pode se tornar vilã ao apressar o jornalista para que ele divulgue a informação primeiro, sem realizar a notícia da maneira certa, com todos os fatos consolidados, o que pode afetar a ética jornalística.
A ética jornalística exige que o repórter se identifique como tal sempre que estiver em contato com uma fonte. Sabendo que a identificação pode atrapalhar na obtenção de informações, jornalistas optam por não se identificar logo de início, buscando obter declarações que podem ser comprometedoras e informações relevantes dos fatos.
É também comum a fonte fornecer um tipo de informação que pode ser o início de uma investigação. Pedir a ela que apresente os fatos é a primeira coisa que o jornalista deve fazer para verificar até onde há veracidade na informação. Investigar com imparcialidade deve ser o dever do jornalista, prevalecendo sempre a veracidade da informação.
Responsabilidade
A pressão exercida pela fonte que passou a informação inicial da investigação é comum. A fonte pede pressa para a publicação da reportagem, ameaçando ceder informações a outros jornalistas. A professora da Fumec, Elisângela Colodetti, relata que já sofreu este tipo de ameaça quando produzia uma matéria para um jornal televisivo.
“Houve vários, e é difícil a gente elencar um maior desafio, mas o que eu me lembro, nesse caso do Dinamar, por exemplo, foi um grande desafio conseguir conversar com uma das vítimas, a Silmara, que era enteada do Dinamar, ela era muito fechada, de difícil acesso, e foi muito complicado construir com ela uma relação de confiança para que ela pudesse conversar comigo, foi mais de um mês de conversa, trocando mensagens, para a gente tentar falar, eu via que ela queria falar, mas ela não conseguia, aquilo era muito doloroso, era muito difícil para ela, então foi muito tempo de troca para a gente conseguir conversar”.
Ela ressalta a responsabilidade do jornalista junto à fonte. “Quando ela decidiu atender o telefone e a gente conversou por uma hora, foi muito delicado e foi muito bonito também, porque ela se abriu muito”. A busca pela verdade muitas vezes coloca os profissionais diante de desafios éticos. Desde a divulgação de informações sensíveis até a proteção das fontes, cada decisão pode impactar não apenas a credibilidade da reportagem, mas também a vida das pessoas envolvidas.
Segundo Colodeti, jornalistas devem avaliar sobre o que e como falar, como falar, abordar, ou o que e onde publicar o conteúdo apurado, como durante investigação jornalística de que participou no formato podcast true crime – gênero de não-ficção no qual o autor examina um crime real e detalha as ações de pessoas reais. “Ficamos muito apreensivos porque contávamos uma história de denúncia real, porém, de uma forma que se aproximava do entretenimento, porque precisávamos narrar de uma forma que prendesse as pessoas em episódios. Então, chegamos à conclusão que não era viável abordar daquela forma, naquele momento, de fazer uma denúncia muito grave, num formato que dialogava muito fortemente com o entretenimento.”
Redes sociais
Rafael Silveira (32), jornalista e produtor na Rede 98 entende ética jornalística como aquilo que diferencia os jornalistas como profissionais. “A ética jornalística nos faz informar com exatidão, responsabilidade e integridade. O desafio é ainda maior, principalmente pela era em que vivemos de fake news, desinformação e pressa em ‘postar’, ressalta. “A ditadura das redes sociais nos faz repensar e colocar ainda mais em voga os princípios éticos para manter segura a integridade da informação e a serventia do jornalismo.”
Em um mundo onde a informação flui rapidamente em redes sociais, a adesão a princípios como a busca da verdade, imparcialidade, precisão e transparência particulariza o jornalismo em meio às outras mediações que interferem na comunicação social. Respeitar esses valores sustenta a confiança do público e contribui para promover uma sociedade informada e democrática. O sigilo de uma fonte deve ser mantido quando a proteção da fonte se faz necessária e a informação tem um grande valor para a sociedade. “Um profissional pode usar fontes anônimas, porém, precisa seguir uma apuração mais rigorosa e ser ainda mais criterioso em relação à ética.”