Danilo Aroeira: “Não existe arte apolítica”
Por Nathália Melissa, Bruna Luane, Giovanna Ribeiro, Sofia Ribeiro, Antônio D’Ávila e Maria Eduarda Maldonado
Ser um artista independente no Brasil, em 2024, é um desafio que se desenha em dois cenários complexos, mas intrinsecamente conectados. Em um contexto em que as inovações tecnológicas facilitam o acesso a plataformas virtuais, a vida de um artista independente ganha uma nova dimensão, permitindo que qualquer paixão se transforme em um produto digital. A liberdade criativa é a essência, mas a vida dupla, muitas vezes, se manifesta na busca por uma segunda fonte de renda. Muitos artistas independentes precisam conciliar seu trabalho artístico com empregos convencionais, realidade necessária para garantir estabilidade financeira. Essa dualidade não apenas requer habilidades de gestão de tempo, mas também resiliência para navegar entre os dois mundos.
Além de professor da Universidade Fumec, nos cursos de Comunicação, Computação Gráfica e Design de Jogos, Danilo Aroeira é ilustrador. Dentre suas publicações, destacam-se livros infantis e infantojuvenis, como “Um sonho careca” (2016) e “O sorriso de João” (2015), ambos em parceria com a escritora Dra. Raquel Vilela, e “Trocadilhos Dragon Ball” (2018). O artista é criador da premiada webcomic “Samurai Boy” e coautor de “Alynna” (2019), em colaboração com a escritora Laís Menini. Danilo falou ao Conecta sobre suas experiências e percepções sobre a arte. Leia a entrevista completa a seguir.
Conecta – Sabendo das dificuldades que um artista enfrenta atualmente, como é dar aulas para universitários?
Danilo Aroeira – Essa é uma pergunta muito complexa, até porque nos cursos que eu leciono, nem todo mundo quer se tornar artista. Eu procuro dar uma visão criativa para as profissões que os alunos buscam e tentar oferecer a minha contribuição e minha experiência pessoal o máximo possível, dentro das especificidades de cada jornada. Isso, então, vai significar coisas diferentes para quem busca uma carreira no Jornalismo, na Publicidade ou no Audiovisual, no caso de Computação Gráfica ou na indústria de jogos. Então, sim, têm vertentes diferentes, de acordo com os perfis dos meus alunos. Num curso com, essencialmente, uma orientação mais artística, como o Audiovisual ou Design de Jogos, existem alunos que vão procurar um caminho similar ao da comunicação, vão trabalhar em produtoras ou em TV. A abordagem tenderá para esse lado mais criativo.Minha abordagem é não tentar focar tanto no lado artístico, porque esse não é o campo de trabalho desejado por todo mundo, mas tentar ver como essa característica ou essa visão de mundo pode contribuir para jornadas que têm interface com carreiras criativas, independentemente do seu objetivo final.
Conecta: Qual a sua opinião sobre a Inteligência Artificial?
DA: Acho que a Inteligência Artificial, de maneira geral, é uma ferramenta útil. Ela já está presente na nossa vida antes da popularização do nome IA, que têm se tornado conhecido ultimamente, devido, principalmente, ao advento do chat GPT.
Desde os anos 70, quase todos os jogos digitais possuem algum tipo de Inteligência Artificial. Ela é muito usada nos algoritmos das redes sociais desde 2002. Todas as versões emergentes de redes sociais têm algum outro tipo de inteligência artificial, que recomenda contatos e seguidores.
“Se tem alguém iludido, achando que redator de prompt será uma profissão,
é muito importante que essa pessoa caia dessa cadeira o quanto antes,
porque não vai”
Conecta: E o que você pensa sobre as Inteligências Artificiais generativas, como Chat GPT?
DA: Para mim, as inteligências artificiais generativas (aquelas capazes de criar conteúdos do zero: imagens, vídeos, textos, etc), como “Chat GPT”, “Midjourney”, entre outras, são extremamente nocivas e partem de um lugar muito antiético: após o usuário digitar o prompt (o que deseja que as IAs criem), elas ”roubam” conteúdos para poder gerar o produto. E, além disso, as inteligências artificiais causam um desequilíbrio na balança profissional de diversas atividades. Os produtores de conteúdo para internet já foram impactados pela concorrência oferecida pelo “ChatGPT”.
Conecta: De que forma o trabalho dos artistas é impactado pela IA?
DA: Quem trabalha com arte em geral, como artes visuais, ilustração e design, foi prejudicado pela concorrência de dispositivos como “Stable Diffusion” (que cria imagens realistas a partir de comandos textuais). Isso não deveria ser um problema se a ferramenta fosse, de fato, criada para auxiliar profissionais de artes visuais e de texto. Mas essas ferramentas não são criadas para nos ajudar, são criadas para nos substituir.
“As ferramentas de IA são criadas para nos substituir”
Conecta: Como você acredita que, futuramente, o Chat GPT impactará os empregos das pessoas?
DA: O cargo de “redator de prompts” (comandos textuais para IA) não será uma profissão. Em sua versão mais avançada, o “Chat GPT” já escreve prompts para si mesmo e para outras ferramentas. A redação humana de prompts não é uma habilidade que vale a pena ser aprendida, pois não vai se sustentar por muito tempo. No futuro, a profissão será sucateada e os poucos profissionais que forem prompt master serão super explorados, porque vão ter que fazer, sozinhos, o trabalho de muitas pessoas. (prompt masters são profissionais que delegam tarefas à Inteligência Artificial).
Conecta: A grande demanda pela arte digital afeta seu trabalho?
DA: Meu trabalho é afetado positivamente, porque a arte digital é o que faço com maior relevância. E, diferentemente das inteligências artificiais, a arte digital é uma ferramenta extremamente útil. É inevitável trabalhar com o digital em alguma das etapas do processo. Na maioria dos trabalhos que faço para clientes, eu opto por trabalhar de forma 100% digital. (embora, em algum outro, ainda tenha uma etapa analógica, que é a de tinta no papel). Faço essa escolha devido à praticidade, à agilidade, por ser industrialmente mais adequado, por economizar muito tempo e evitar o desperdício de materiais. O mercado também absorve melhor a arte digital, então eu priorizo trabalhar com ela.
“A maior dificuldade está em que alguns artistas não conseguem fazer
uma promoção do próprio trabalho que seja profissional”
Conecta: Você acredita que o conflito entre artistas usuários de arte digital e de arte analógica te envolve e te afeta?
DA: A crença nesse conflito é algo que está na cabeça de quem não é artista. Entre os artistas, não há essa rixa. Artistas não consideram a arte digital melhor ou pior do que a física. Muitos artistas trabalham com os dois tipos de arte. Eu trabalho com os dois. Opto por usar mais o digital, porque é mais prático no meu dia a dia. Mas, entre os artistas, essa disputa não existe. No dia a dia, isso não me afeta em nada. As pessoas não têm nenhum tipo de preconceito nesse sentido e os meus clientes não se importam com isso. Pelo contrário, às vezes nem fazem esse discernimento.
Conecta: Quais são os principais desafios enfrentados por artistas independentes ao equilibrar a busca pela expressão artística e a necessidade prática de garantir uma fonte de renda estável?
DA: A maior dificuldade está em que alguns artistas não conseguem promover o próprio trabalho de forma profissional. Algo interessante de ser feito para divulgação é o release. Tenho uma amiga influenciadora. Às vezes, artistas mandam materiais para ela, já esperando alguma divulgação. Ela fez um conteúdo muito interessante, orientando os artistas a como fazer release. É algo muito legal e que pode servir de utilidade pública, porque pode haver alguns artistas que, talvez, não saibam o que é um release, como fazê-lo, quais as utilidades dele, como procurar veículos e influenciadores para divulgação, quais releases são adequados para o tipo de produto feito pelo artista.
“As inteligências artificiais generativas, se não forem reguladas,
podem impactar o cenário artístico de maneira muito negativa”
Conecta: O que um artista pode fazer para ter mais sucesso na divulgação de seu trabalho?
DA: Não é qualquer tipo de divulgação nas redes sociais que funcionará para todo mundo. É necessário que cada artista encontre o seu público e saiba como chegar até ele da maneira mais profissional possível. Eu acho que o principal gargalo é distribuir o seu trabalho. Existe mercado e demanda para todo tipo de arte, para todo tipo de perfil, de artista independente e de outras naturezas.O grande desafio é saber onde está o seu público, como chegar até ele.
Conecta: Você sentiu dificuldade em precificar suas obras e conseguir vender seu trabalho?
DA: No começo, eu tinha essa dificuldade. É muito comum que artistas maduros tenham essa dificuldade mesmo. Assim, acabam jogando o valor do seu trabalho muito pra baixo. Precificar o trabalho é algo que a gente aprende com o tempo. No caso do mercado de ilustração, existem as comunidades de ilustradores, os grupos de ilustração e os grupos profissionais de ilustração. Quando eu estava na faculdade, uma fonte de estudo muito importante para mim foi a Associação Brasileira de Ilustradores Profissionais. Eles tinham um repositório muito grande de informações sobre contratos, orçamento, precificação. Isso me ajudou muito a entender como se posicionar, precificar o trabalho, saber para que tipo de cliente se deve cobrar.
“É necessário que cada artista encontre o seu público e saiba como chegar
até ele da maneira mais profissional possível”
Conecta: E agora, como funciona seu sistema de precificação?
DA: Por exemplo: vou gastar o mesmo tempo e, talvez, até os mesmos recursos, com uma ilustração de um pet de uma pessoa e com uma ilustração para uma grande marca. A diferença é que a grande marca vai expor essa ilustração para milhões de pessoas e vai lucrar muito mais com ela. Então, mesmo que eu gaste o mesmo tempo com os dois trabalhos, cobro mais para a grande marca, porque ela vai tirar maior valor do meu trabalho.
Conecta: Ainda sobre a precificação, qual dica você daria aos artistas iniciantes?
DA: A dica que eu dou para quem está começando hoje, se a pessoa ainda está estudando para ter uma formação na área, é cobrar o que seria um “valor de estagiário”: uma fração do valor de mercado. Depois que a pessoa se considerar pronta, sugiro que ela passe a cobrar o valor de mercado, incluindo adicionais em cima de cada condição. Algumas condições seriam, por exemplo: se o cliente é uma empresa grande (o que fará você ser exposto com seu trabalho), se o trabalho será licenciado por muito tempo, se a pessoa quer ter direitos de uso daquela imagem por muitos anos, dentre outras coisas. Para muita gente, tudo isso vai onerando cada vez mais o trabalho e fazendo com que o valor cobrado pelo artista também aumente. A necessidade de abaixar esse preço quando a situação demanda também faz parte da realidade de quem trabalha com arte.
“Quando a criatividade humana intacta e genuína for cada vez mais rara,
ela vai ser cada vez mais valorizada”
Conecta: Como professor e artista, você acredita que as pessoas perderam o interesse por fazer arte?
DA: Não. Pelo contrário. Eu acho que o interesse das pessoas por fazer arte está aumentando.. Cada vez mais eu vejo mais artistas, mais gente procurando esse tipo de coisa, porque, na realidade, a arte é uma necessidade humana. É necessário que a gente se expresse, se comunique de outras formas que não sejam as conversas que temos no dia a dia. Às vezes, pessoas muito introspectivas não gostam de interagir socialmente, mas se expressam de maneira muito voraz e grandiosa por meio da arte que produzem.
Conecta: Qual sua opinião sobre esse aumento de interesse das pessoas pela arte?
DA: Eu vejo que, à medida que a população cresce, a proporção de artistas também cresce. Porque na verdade, todo mundo é um pouco artista. Tem pessoas que abandonam esse caminho pelas pressões sociais, pela necessidade de sobrevivência ou por outro motivo. Mas eu torço para que todo mundo possa se expressar artisticamente, mesmo que de maneira não profissional. Os benefícios da arte para a saúde mental e o bem-estar são muito grandes. Vejo que essa busca por arte tem aumentado de maneira crescente. Pessoalmente, torço para que ela continue acontecendo, cada vez mais.
Conecta: Quais são as suas expectativas para o futuro no cenário artístico?
DA: As inteligências artificiais generativas, se não forem reguladas, podem impactar o cenário artístico de maneira muito negativa. Vai chegar uma época em que a maioria das imagens e dos textos existentes no mundo serão provenientes de inteligências artificiais. Será mais difícil para nós, artistas, sobrevivermos e sermos remunerados pela arte que fazemos. Se continuar nessa vertente, as poucas pessoas que continuarão relevantes no cenário artístico serão as pessoas genuinamente mais criativas, mais inovadoras, com maior sensibilidade. Quando a criatividade humana genuína for cada vez mais rara, ela será cada vez mais valorizada.
“Eu acho que o artista tem que ter liberdade artística,
mas não liberdade para cometer crimes”
Conecta: Em suas obras, como “Sorriso de João” e “Um Sonho careca”, há uma enorme sensibilidade artística. Você vê a arte com um olhar crítico ou político?
DA: A arte não tem como não ser política. Toda a arte é fruto da sua cultura, do seu tempo, da sua época. E se ela não combate o status quo, ela, necessariamente, contribui para ele. Não existe arte neutra, Não existe arte apolítica. Acredito que a arte deve ser liberal no sentido de transgredir. O artista deve ser transgressor. Ele deve ter a possibilidade de não cumprir as regras.
“A arte é uma necessidade humana”
Conecta: Há algum exemplo dessa liberdade artística que você considere importante salientar?
DA: Na época da ditadura militar, era crime falar e mostrar certas coisas, mas isso não inibiu os artistas. Eles produziram sua arte e sofreram as consequências. Muitas vezes foram torturados, presos e mortos em função de sua expressão artística. Eles se expressaram da forma que achavam que a sociedade da época pedia. Então, nesse sentido, os artistas precisam ter liberdade. Mesmo que essa liberdade seja tolhida, os artistas precisam tê-la. Devem ser livres para executar sua arte e sofrer as consequências depois. Mas isso não quer dizer que eu concorde com tudo que é produzido na arte.
Conecta: Você acredita que há um limite para essa liberdade artística?
DA: Eu acho que o artista tem que ter liberdade artística, mas não liberdade para cometer crimes. Ele tem que poder se expressar da maneira mais plena, dentro de suas possibilidades e de sua capacidade. Não existe arte apolítica. A arte pode ser crítica, mas não tem a obrigação de ser crítica. Pode ser reflexiva, mas não tem obrigação de ser reflexiva. Pode ser transgressora sem ter a obrigação de ser transgressora. A arte de entretenimento também é arte e também é muito relevante. Ela pode nos levar a sentir, refletir, pode nos manter vivos e sãos.