Arquitetura hostil limita acesso da população de rua de BH a espaço público

Por Larissa Figueiredo e Vitor Rodrigues

Construção de pedras em baixo viaduto é considerado arquitetura hostil / Foto: Internet/Reprodução

A arquitetura hostil faz intervenções em espaços públicos livres com o intuito de restringir o direito à circulação e à permanência de pessoas em situação de rua. São consideradas técnicas construtivas hostis qualquer intervenção ou estratégia que utilize materiais, equipamentos, objetos, mecanismos e estruturas, edificadas ou não, com o objetivo de afastar ou limitar, no todo ou em parte, o fluxo e o acesso de pessoas. 

Comerciantes também utilizam arquitetura hostil para afastar a população de rua dos centros comerciais. Foto: Internet/Reprodução

Nos âmbitos federal e estadual e níveis do judiciário e legislativo, estão sendo tomadas medidas para a proteção da população de rua diante da arquitetura hostil, no entanto, na Câmara Municipal de Belo Horizonte, o Projeto de Lei 252/2022, de autoria das vereadoras Bella Gonçalves (PSOL) e Iza Lourença (PSOL), que dispõe sobre a proibição da arquitetura hostil, está suspenso  desde março de 2023. 

A população de rua da capital mineira é composta por 5.344 pessoas, segundo números do Censo Pop Rua 2022, realizado pela Prefeitura de Belo Horizonte (PBH), em parceria com a Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG).

Os gráficos seguintes mostram a origem desta população e as causas da sua permanência na rua, conforme a pesquisa.

Gráfico: Vitor Rodrigues
Gráfico: Vitor Rodrigues

Em Brasília, o Supremo Tribunal Federal (STF) referendou decisão do ministro Alexandre de Moraes que havia determinado aos estados, Distrito Federal e municípios a observância imediata das diretrizes da Política Nacional para a População em Situação de Rua (Decreto federal 7.053/2009). O Plenário também manteve o prazo de 120 dias para que o governo federal elabore um plano de ação e monitoramento para a efetiva implementação da política nacional, respeitando as especificidades dos grupos familiares e evitando sua separação.

A decisão do colegiado foi tomada no fim de agosto nos autos da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 976, ajuizada pela Rede Sustentabilidade, pelo Partido Socialismo e Liberdade (PSOL) e pelo Movimento dos Trabalhadores Sem Teto (MTST).

Em vigor desde 17 de outubro, a Assembleia Legislativa de Minas Gerais aprovou a Lei 24.512, de autoria da deputada estadual Beatriz Cerqueira (PT), que altera a Política Estadual para a População em Situação de Rua, vedando o emprego de técnicas construtivas hostis nos espaços públicos livres que visem a restringir o direito à circulação e permanência dessa população.

“É um comando proibitivo para que não sejam colocados em espaços públicos livres qualquer intervenção que tenha por objetivo restringir o direito à circulação ou permanência das pessoas. Então, essa responsabilidade é do poder público, mas também da sociedade. O Poder Executivo precisará regulamentar a lei de forma que o que exista de arquitetura hostil seja retirado, fazer campanhas educativas a respeito”, explicou a deputada. 

Para além das medidas imediatas, a parlamentar afirmou que é preciso reeducar a população sobre o preconceito com a população de rua. “Precisamos enfrentar o que chamamos de aporofobia, esse medo e ódio das pessoas pobres. As intolerâncias, violências, assassinatos são incentivados e legitimados em nossa sociedade. Uma pessoa sem moradia, sem condições de viver com dignidade, com insegurança alimentar é responsabilidade de toda a sociedade. A escola precisa falar disso. Não podemos formar jovens intolerantes ou indiferentes”, esclareceu. 

“Ter arquitetura hostil em nossas cidades é sobre isso, o ódio ao pobre e a tentativa permanente de expulsá-lo dos espaços públicos. Como o governador não sancionou, o projeto retornou para a Assembleia Legislativa que, por sua vez, promulgou e o projeto se tornou lei”, afirma Beatriz. 

O próximo passo é que sejam retiradas as obras de arquitetura hostil em Minas Gerais.  “A lei é um grande avanço dentro de uma agenda da cidade que pertence a todas as pessoas e de impedir práticas de higienização social. O impacto esperado é inibir a prática de quaisquer técnicas (equipamentos, construções, disposição de objetos, estruturas) para afastar ou restringir a circulação das pessoas em situação de rua. Além disso, é preciso que haja a retirada do que já existe em nosso Estado.”

Uma pedra no meio do caminho

O poema de Carlos Drummond de Andrade, ‘’No Meio do Caminho’’, retrata os obstáculos e problemas da vida com uma pedra no meio do caminho. Assim é que, muitas vezes, os moradores de rua são vistos pela sociedade.

Para a doutoranda em Arquitetura e Urbanismo pela Universidade Federal de Minas Gerais, Thaís Corrêa, é necessário que haja conscientização da população e as pessoas entendam a necessidade de políticas públicas para as pessoas em situação de rua, visando o direito à cidade que tem como base a coletividade e a inclusão.

Como explica a pesquisadora em entrevista ao Conecta, essa técnica arquitetônica não afeta apenas um grupo da sociedade, mas, também, idosos, crianças e pessoas com deficiência.