Fale Comigo: terror destaque em 2023 no cinema

Por Miguel Lobato

Foto: Divulgação

Na segunda metade de agosto, chegou aos cinemas brasileiros uma promissora produção de terror da aclamada produtora A24. Trata-se de “Fale Comigo” (Talk To Me).

Desde o ano passado, o filme vem sendo exibido em festivais internacionais de cinema como o Sundance; e, com vários elogios emanando de tais festivais, além de sites de crítica cedendo notas altíssimas, o longa-metragem logo se tornou um dos mais aguardados para os fãs de terror no mundo inteiro. A direção ficou na responsabilidade dos irmãos Danny e Michael Phlippou, que são conhecidos por produzir curtas-metragens no youtube, e que viram a oportunidade de realizar o primeiro projeto cinematográfico sob a distribuição da A24. Uma mistura interessante, para dizer o mínimo.


Fale Comigo é realmente uma surpresa agradável para os admiradores de horror. É compreensível, no entanto, que não é o tipo de filme que agrada as multidões de maneira unânime. Mas é preciso cuidado ao analisar a obra.


Não seria a melhor escolha para espectadores que gostam do terror genérico com muitos sustos e clichês. Utilizando efeitos práticos arrepiantes, um elenco desconhecido, porém muito talentoso, e criatividade de sobra para subversões do gênero, o filme é ideal para quem gosta de uma história que perturba com construção de atmosfera sombria, inventividades imprevisíveis, cenas verdadeiramente chocantes e entre outros artifícios. Quanto ao enredo…


A narrativa acompanha um círculo de amigos que descobrem uma mão embalsamada que aparentemente tem o poder de invocar espíritos do além. Agora o leitor provavelmente deve estar pensando que nada poderia ser mais clichê e convencional do que isso. Na teoria sim. Mas o diferencial desse filme não é o que é feito, mas como é feito.


A produção encontra meios engenhosos de provocar sensações das mais arrepiantes. O espectador atento e imerso no filme com certeza vai se encontrar contorcendo-se de aflição ou com receio de olhar a tela em dados momentos. Além disso, a premissa do enredo que aparenta ser simples, quando analisada com muita atenção, se mostra mais profunda que o esperado e de interpretações subjetivas que não são entregues de bandeja.


A história faz um paralelo muito interessante com o uso de drogas na adolescência, por exemplo. Assim como no caso de muitas substâncias entorpecentes, no filme, a sessão espiritual – que depois é seguida de uma possessão temporária –, trás sensações dopaminérgicas de adrenalina e uma expansão das percepções de realidade; isso faz da mão embalsamada um objeto seduzente, embora dono de uma aura ameaçadora. Então reúne-se um grupo; alguns integrantes desse grupo passam a usar do artifício, e apesar de ter potencial de causar danos, os outros integrantes do grupo se encontram cada vez mais tentados a provar dessa coisa, seja para seguir a moda e não se isolar dentro do círculo social, seja para usufruir da experiência dita prazerosa. Acontece praticamente a mesma coisa na vida real. Só que no lugar de um instrumento sobrenatural, o que seduz as pessoas são carreiras de cocaína, seringas de opióides, bebidas alcoólicas ou coisas parecidas.


Como consequência, novamente o filme parece abraçar clichês; nesse caso, o clichê particularmente irritante dos personagens estúpidos realizadores de atitudes questionáveis que os colocam em perigo. Mas, entendendo a motivação deles de realizar o ritual macabro, algo diretamente ligado com um problema real – o abuso de drogas –, é notável que a narrativa consegue preservar um dos elementos mais importantes de qualquer boa história: a verossimilhança. Este é apenas mais um exemplo das subversões presentes no decorrer da obra.


No balanço geral, “Fale Comigo” é um filme com grande capacidade de causar medo e apreensão. Ao mesmo tempo, ele aparenta ser um terror mais do mesmo em vários de seus desdobramentos de enredo, mas quando analisado com cuidado, é evidente que não seja esse o caso. Há questões subjetivas escondidas na trama que, quando trazidas à luz, apontam que a obra não é simplesmente o que parece. É muito mais.