Eliane Bragança: “As pessoas precisam ser educadas no uso das redes sociais como fonte de informação e interação”
Por Luccas Melo e Pedro Augusto
Em um mundo que evolui constantemente e em que todas as coisas se transformam com rapidez, a informação é uma das principais afetadas por esta característica. Ela circula em velocidades altíssimas e por diversos formatos midiáticos como nunca na história da humanidade. Enquanto a distribuição de notícias é feita de forma massiva, a busca por elas também é imensa. A sociedade anseia por informações a todo momento, seja de fatos passados, que estejam acontecendo ou que estão por vir.
Com as mídias digitais um fenômeno se destaca como risco à democracia: as fake news. As notícias falsas resultam em uma série de problemas sociais, econômicos e políticos. Um dos principais exemplos é a pandemia de Covid-19, entre os anos de 2020 e 2022. Durante o período de isolamento e medo, o jornalismo precisou se reinventar na busca pelos fatos enquanto o país foi bombardeado por incontáveis notícias falsas, relacionadas à cura para a doença, morte de pessoas, estatísticas e estudos sobre o próprio vírus.
A partir deste problema, surge uma dúvida: como a desinformação pode prejudicar o direito e a veracidade dos fatos e o que fazer a respeito disso?
Conversamos com Eliane Bragança, analista de dados no Projeto Gestão do Conhecimento do Programa Descubra BH que visa promover o acesso de adolescentes e jovens, em situação de vulnerabilidade social, a programas de aprendizagem e a cursos de qualificação profissional. Eliane é formada em economia e com mestrado, doutorado e pós-doutorado em marketing e comportamento do consumidor nas redes sociais.
Conecta: O que você entende por democracia?
Eliane Bragança: Democracia é o direito à participação de todos, né? Então fica subentendido que é também o direito não só do ponto de vista letivo, das escolhas em relação às representações executivas principalmente, mas pressupõe também o direito à garantia dos direitos básicos para cidadãos. O direito à moradia, educação, opinião, por mais controverso que isso se dê hoje, mas é o direito à existência, de forma livre e geral pra todo mundo, sem exclusões. E aí a gente tem os derivados: a democracia digital, a democracia opinativa, a democracia em relação aos direitos.
Conecta: E quando a gente fala de fake news, o que é este conceito, para você?
EB: Uma praga! Porque eu acho que esse termo ele tomou importância a partir da manipulação das informações nas redes sociais. A mentira sempre foi um procedimento político, um aumento das pequenas mentiras. Mas a intencionalidade do uso político da mentira e da manipulação como estratégia se torna mais presente a partir de 2016 e 2018, quando esse termo começa a se configurar. Não como uma notícia falsa, mas como uma estratégia política de manipulação.
Conecta: O que podemos entender desses dois conceitos e ao mesmo tempo diferenciar entre a liberdade de imprensa e esses pensamentos que você mesmo trouxe que em certo espaço podem ser antidemocráticos?
EB: Essa estratégia das fake news é uma construção muito ardilosa, porque ela toma um princípio democrático que é a liberdade de opinião. Só que ela considera que a partir disso eu posso falar o que eu bem entender. Mesmo atingindo outros segmentos específicos da população, comprometendo a segurança e muitas vezes a vida dessas pessoas. Então, existe essa manipulação e utilização desse tipo de percurso do direito à opinião, para manipular as pessoas, atingindo determinados grupos de maneira ofensiva e até mesmo colocando as pessoas em risco de vida. Eu acho que existe essa essa linha limítrofe entre o direito à opinião que vai suportar o direito da imprensa livre e o direito de ofender outras pessoas.
“Liberdade de imprensa e de opinião não pode ser manipulativa no sentido de propiciar essa ofensa e risco de vida em relação a grupos sociais e ao mesmo tempo as pessoas, então precisa de regulamentação sim!”
Conecta: Você acredita que o Estado pode fazer alguma coisa pra poder separar esses dois conceitos, que são democracia e fake news, e até de fato combater?
EB: Eu acho que não só pode como deve deve existir uma lei. Você já tem muitos marcos legais em relação à questão do racismo, o LGBT, de maneira geral. E deve-se avançar na regulamentação da mídia. Essa conversa de que a imprensa e principalmente as redes sociais não podem ser regulamentadas tem um viés neoliberal no sentido de promover lucratividade para essas empresas, e tem esse viés macabro da manipulação. Então, liberdade de imprensa e de opinião não pode ser manipulativa no sentido de propiciar essa ofensa e risco de vida em relação a grupos sociais e ao mesmo tempo as pessoas, então precisa de regulamentação sim!
Conecta: Hoje a gente consegue encontrar na internet, dentro das próprias redes, um número incontável de páginas de fofoca ou de portal de outros tipos de conteúdo divulgando fake news de maneira desenfreada. Eles desconsideram todo o trabalho jornalístico que é os princípios de checagem, a privacidade das fontes etc. Como, para milhares de pessoas, isso pode ser positivo ou negativo e se você vê um caminho que pode apontar para alguma regulamentação das mídias e das redes sociais?
EB: Eu acho que é uma questão urgentíssima essa regulamentação e a criminalização. E eu falo de criminalização mesmo, dos grandes portais e das grandes redes sociais, de maneira que eles desenvolvam o mecanismo de inibição desse tipo de comportamento. O que a gente vê hoje em relação a um incentivo de jovens atacarem outros, principalmente nas escolas, é um comportamento já identificado, estudado há muito tempo e nos Estados Unidos, ele aparece no Brasil nas deep fakes. E como você não tem nenhum tipo de regulamentação em nenhum tipo, nem uma preocupação com o monitoramento por parte das redes sociais em relação a isso, então são inúmeros os casos de grupos de incentivo a assassinatos em massa que estão no Telegram, por exemplo, e que as redes sociais dão a mínima confiança pra isso porque isso significa para elas algum lucro. O Elon Musk, dono do Twitter, tem incentivado esse tipo de postura racista, misógina. Então isso deve ser regulamentado por lei e coibido através da polícia porque são comportamentos inaceitáveis e que de determinada maneira ameaçam a democracia.
Conecta: Você acha que é possível a gente corrigir alguma desinformação que foi exposta? Principalmente pensando naquele grupo de pessoas que não são alfabetizadas digitalmente e que não têm esse hábito ou costume de ir buscar por conta própria algumas informações? Ou uma fake news não tem como ser corrigida?
EB: A estratégia de uso da fake news é muito eficiente, muito eficaz. Porque esse comportamento que a gente tem, a partir do uso das redes sociais, ele tem como base um imediatismo e o curtíssimo ciclo de vida das notícias. Então o que aconteceu agora é notícia, amanhã já é passado. Então a estratégia de pesquisa usa esses dois mecanismos para criar a notícia falsa e, mesmo que se recorra depois ao desmentir, ao esclarecimento em relação ao fato, a semente já foi plantada. Como é uma estratégia que utiliza de um reforço contínuo de fake news, eles vão reforçando a construção de determinadas verdades que depois fica muito difícil de serem rebatidas. A questão do antipetismo foi muito alimentada a partir de fake news. Você cria um sentimento profundo em relação a essas questões e depois é muito difícil rebater. Toda estratégia de comunicação persuasiva apela muito para o emocional, para a nacionalidade e vai criando esse sentimento de rejeição e depois fica difícil você desmanchar.
“As noções de educação, respeito, cuidado e empatia foram totalmente abandonadas com esse empoderamento que as redes sociais trouxeram”
Conecta: Como seria possível promover uma alfabetização midiática para esse processo? Como a gente pode aumentar a capacidade de uma sociedade em relação às informações que ela consome?
EB: Eu acho que é um problema geracional. Essa essa geração acima dos quarenta anos possui já uma certa visão que algumas pessoas chamam polarização. Em relação ao que especialmente se chama de esquerda e de direita, mas que na verdade está ligada a uma certa perspectiva comportamental. Se usa dessa construção de avaliação comportamental para intencionalmente levar as pessoas a essas polarizações, como a preservação da família e da paz. São elementos utilizados de maneira manipuladora, uma certa posição em relação à própria democracia. Então leva as pessoas a questionarem os reais valores, reais desejos em relação à sociedade e esses valores vão sendo segmentados a partir de uma certa visão de mundo. Eu acho muito difícil conseguir reverter algum comportamento, mesmo alegando fake news intensa para essa geração.
E em segundo ponto, é um problema educacional. As pessoas precisam ser educadas no uso das redes sociais como fonte de abastecimento de informação e interação também. Porque o que a gente vê muito hoje é que a rede social abriu a porteira. Eu posso falar o que eu quero para quem eu quero do jeito que eu quero, porque eu posso. As noções de educação, respeito, cuidado e empatia foram totalmente abandonadas com esse empoderamento que as redes sociais trouxeram.