Wiliane Fernandes: “Cigarro eletrônico é nova versão da indústria do tabaco”

Por Larissa Figueiredo

A professora do curso de medicina da Universidade Federal de Juiz de Fora, médica pediatra, pneumologista, alergologista e imunologista, Williane Fernandes, realiza pesquisa sobre o uso dos dispositivos eletrônicos para fumar, os DEF’s, e alerta: “O cigarro eletrônico possui componentes químicos muitas vezes piores que o tradicional, os flavorizantes, o propilenoglicol, que são tóxicos e cancerígenos para o pulmão.” A seguir, o Conecta entrevista a médica sobre o assunto.

Com diversos sabores, formatos, adereços e modelos, o cigarro eletrônico se popularizou entre os brasileiros. Segundo a Associação Médica Brasileira (AMB), um total de 650 mil pessoas fazem uso do cigarro eletrônico no país, em sua maioria jovens. Proibido em território nacional pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), desde 2009, estuda-se, atualmente, o risco de seu uso por meio de evidências científicas. Em maio de 2022, 46 entidades médicas assinaram documento para alertar a sociedade acerca dos perigos do dispositivo, entretanto, a indústria do tabaco defende o uso do produto e alega menor impacto sobre a saúde do que o cigarro tradicional.

Conecta: O cigarro eletrônico começou a se popularizar com a premissa de ser um aliado no combate ao vício no cigarro tradicional. Essa premissa ainda é algo válido de acordo com os estudos atuais?

WF: O cigarro eletrônico inicialmente foi lançado para as pessoas largarem o cigarro tradicional, mas hoje em dia a gente vê que o cigarro eletrônico é uma nova versão da indústria do tabaco, cigarro é cigarro. A gente tem visto que a maioria dos usuários são jovens adultos e adolescentes que nunca fizeram uso do cigarro tradicional, então existe um uso dual: o cigarro eletrônico e o tradicional. Além disso, o cigarro eletrônico é uma maneira para que a pessoa inicie o uso de outras drogas. Você pode montar o seu cigarro eletrônico de acordo com o gosto, o tipo da fumaça, colocar aromatizante, colocar canabidiol.

Conecta: Por que o cigarro eletrônico é tão popular entre os jovens?

WF: O cigarro eletrônico é muito popular entre os jovens porque é isso que a indústria do tabaco quer. A indústria lançou o cigarro eletrônico de uma forma que o jovem se sinta atraído, ele é muito tecnológico, hoje temos vários tipos, várias atualizações, assim como um smartphone mesmo. Tudo o que é novo e tecnológico atrai os jovens. A indústria fala que o cigarro eletrônico não é para ser fumado, que não faz mal, que é apenas vaporizado e não tem nicotina, os estudos mostram que tem nicotina sim, por mais que esteja escrito que não tem.

Conecta: A indústria do tabaco alega que os Dispositivos Eletrônicos para Fumar (DEF’s) são menos prejudiciais à saúde que os cigarros tradicionais, porém, em dezembro de 2021, o cantor Zé Neto, da dupla Zé Neto e Cristiano, contraiu doença pulmonar em razão do uso excessivo do cigarro eletrônico, a Evali. Em maio de 2022, a cantora norte-americana, Doja Cat, precisou realizar cirurgia nas amígdalas devido ao uso excessivo do dispositivo. O que é essa doença? Quais são seus riscos? Há sequelas?

WF: Evali é uma doença que vem chamando atenção para todos os órgãos da saúde, e é muito negligenciada: alguns médicos não conseguem perceber e fazer o diagnóstico da doença. O cigarro eletrônico possui componentes químicos muitas vezes piores que o tradicional, os flavorizantes, o propilenoglicol, que são tóxicos e cancerígenos para o pulmão. A Evali é chamada de pulmão de pipoca, porque o pulmão fica com um aspecto semelhante à imagem de uma pipoca. Alguns pacientes começam com um quadro de tosse, de cansaço, mas é uma coisa que vai ficando cada vez mais progressiva e já houvecasos de necessidade de transplante. A doença pode ser confundida até mesmo com um quadro gripal, a pessoa tem febre, diarreia, perda de peso, tosse e cansaço e chega ao ponto de uma fibrose pulmonar. Dependendo do grau de comprometimento, a doença pode deixar sequelas, transformando o usuário em um paciente pneumopata crônico.

Conecta: O cigarro eletrônico causa vício na mesma proporção de outras drogas?

WF: Ele causa vício na mesma proporção de outras drogas. Os dispositivos eletrônicos de fumar são um conjunto de dispositivos diferentes e cada um com a sua particularidade. Temos cigarro eletrônico, cachimbo eletrônico, narguilé eletrônico. A indústria do tabaco está lançando mecanismos como flavorizantes, aromatizantes, nicotina de absorção lenta, para que as pessoas fiquem cada vez mais dependentes do consumo desses dispositivos.

Conecta: Para os jovens que querem deixar os DEF’s, qual é o primeiro passo?

WF: O primeiro passo é a conscientização, é sair dessa primeira influência, essa tendência de achar que não vicia, é tecnológico, bonito. Lembrando que aqui no Brasil os DEF’s são proibidos e seus adicionais. Existem meios na rede pública de saúde, nos próprios postos de saúde, gratuitamente, com distribuição de medicamentos e todo um programa de apoio para as pessoas que querem deixar de fumar.

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