Meritocracia do voto: democracia em pauta

Mesmo com as lutas histórias para assegurar o direito  ao voto para todos, muitos têm optado por não ir às urnas no Brasil. Confira a discussão sobre o assunto no Podcast Fale de Política: Meritocracia do Voto.

Por Ana Luísa Fonseca, Pedro Oliveira, Thaís Amorim e Rebecca Soares

Podcast: Fale de Política: Meritocracia do Voto

A meritocracia é um tópico polêmico nas discussões atuais, mas, em uma democracia, ela pode se tornar possível, desde que as pessoas possam começar do mesmo ponto de partida, ou seja, da oportunidade de voto defendida pela Constituição brasileira. Infelizmente, casos recentes nas eleições provam o contrário.

O voto é um direito de todo cidadão que se enquadre nos requisitos exigidos pela Lei e deseje participar do período eleitoral, mas ele também possui o direito de abdicar do voto. Na eleição deste ano, o Supremo Tribunal Federal (STF) permitiu que os estados brasileiros oferecessem transporte público gratuito, assegurando a locomoção do eleitor à sua seção, no segundo turno, realizado em 30 de outubro.

Foto: Transporte Público

Na contramão do STF, alguns municípios não aderiram à medida. Além disso, fatos de maior gravidade foram registrados em estados do Nordeste, região onde o presidente Luiz Inácio Lula da Silva foi vitorioso com ampla vantagem. Houve relatos de blitz da Polícia Rodoviária Federal a carros de eleitores, procedimento proibido no dia. 

É certo que o voto é a forma mais direta e produtiva de contribuir para o futuro do país. De acordo com a professora de Ciência política, Tereza Sader, o eleitor manifesta o que quer para a situação política do país por meio do voto.

“A democracia emana do povo, eu só posso exigir se eu contribuir, é uma contrapartida. A população tem que participar e no momento certo. Não adianta ir pra rua agora, claro que as manifestações são legítimas e um direito constitucional, mas eu preciso exercê-las no momento certo pra que elas tenham o devido efeito.

Vale ressaltar que votos brancos e nulos não representam abstenções e são legitimados no momento da apuração. Tais votos não favorecem candidatos que estão liderando a votação, como muitos pensam, mas quem não vai às urnas põe em risco seus direitos como cidadão e desvaloriza o histórico de lutas para que todos possam votar.

Luta histórica

A  primeira experiência de voto no Brasil data de 1532, na Vila São Vicente, propriedade de colonos portugueses, em São Paulo. A decisão da vez elegeria, indiretamente,  os membros do Conselho Municipal da vila. Seis nomes foram selecionados para votar em nome da população. 

A partir desse episódio, pode-se traçar um panorama de desdobramentos que garantiriam que todos pudessem eleger seus representantes do executivo nas esferas federal, estadual e municipal no país. Contudo, nos últimos anos, observa-se um alto número de eleitores que dispensam a oportunidade de fazer valer sua voz, através da urna eletrônica.

Foto: Urna eletrônica

No dicionário, o conceito de democracia refere-se ao regime onde todos têm direito à participação na vida política do país. Entretanto, a democracia brasileira pode ser considerada instável já que, além da censura na ditadura militar de 64,  no Brasil, as mulheres só começaram a poder votar e serem votadas a partir de 1933, com restrições.

Foto: CPDOC/FGV

A igualdade de direitos eleitorais entre homens e mulheres  só foi conquistada em 1965. Hoje em dia, há um aumento da participação feminina e de outros grupos minoritários como negros, indígenas e LGBTQIAP+ como eleitores e como representantes da população, a exemplo das deputadas federais Duda Salabert, Benedita da Silva e Célia Xakriabá.

Valorizar o ingresso de minorias na política nacional é contribuir para uma sociedade mais justa e igualitária para todos. Além disso, constitui, ainda, um caminho para combater preconceitos de gênero, raça, classe social, ou mesmo, local de origem, ou em casos de xenofobia.

Quem deve votar?

De acordo com a legislação eleitoral vigente no Brasil, o voto é obrigatório àqueles que são alfabetizados com idade entre 18 e 69 anos, sendo facultativo aos jovens de 16 e 17 anos e pessoas acima dos 70. Caso não participem, os eleitores que são obrigados a votar devem justificar seu voto, para regular sua situação na Justiça Eleitoral. 

É importante saber que, ao não justificar a ausência do voto e pagar a multa, o eleitor pode sofrer punições como a impossibilidade de tirar seu  passaporte ou RG, de  participar de concursos públicos e ser impedido de votar no futuro. Nas eleições deste ano, o valor da multa para quem não votou, sem justificar a ausência na votação, é de R$3,50. 

Riscos da abstenção

A alta abstenção no primeiro turno das eleições de 2022 foi listada como um dos fatores que poderiam ser decisivos para o desfecho do segundo turno. Nesta eleição, segundo o Tribunal Superior Eleitoral (TSE), cerca de 30 milhões de eleitores dispensaram seu direito de ir às urnas, gerando o maior número de não-participantes nas eleições desde 1998.

Fonte: TSE

Teoricamente, ao se abster, o eleitor provoca a redução de votos válidos, ou seja, as escolhas direcionadas a candidatos ou partidos. Vale ressaltar que a abstenção não é idêntica aos votos brancos ou nulos, pois, quem escolhe pelas duas últimas opções vai às urnas para depositá-las, já aquele que se absteve não compareceu à sua seção.

É importante que os motivos que levam pessoas a não votar sejam legítimos e diversos. Além disso, ele pode estar contribuindo para o sucateamento da democracia brasileira. Para Sader, a polarização política no Brasil pode ser um dos motivos para sensações de desesperança, resultando em níveis altos de abstenções.

“Eleições como a de 2014, entre a ex-presidente Dilma Rousseff, do PT, e o deputado federal, Aécio Neves, do PSDB. Era a 6ª disputa entre as duas lideranças políticas do Brasil. Em pesquisas, acreditava-se que a polarização havia cessado. Todavia, o impeachment de Dilma, e outros episódios, mostraram o contrário”, analisa Tereza Sader.

Votar mesmo sem obrigação

Fernanda Montenegro é uma das celebridades que, mesmo sem ser legalmente obrigada a votar, não deixa de comparecer às urnas. Em outubro, a atriz declarou apoio ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva, através de seu Instagram

Na votação deste ano, constatou-se um aumento da participação de jovens e idosos  de 16 e 17 anos, e a partir dos 70 anos, sendo que essas pessoas não são obrigadas a votar. Em comparação com o período eleitoral de 2018, o número de idosos a partir dos 70 anos que votaram cresceu 23%.

Os dados do TSE deduzem, ainda, um crescimento do interesse dos jovens em contribuírem na vida política do Brasil. Em 2020, o então presidente do Tribunal, Luís Roberto Barroso, lançou uma campanha visando engajar a juventude nas eleições. Para ele, a participação deste grupo é fundamental para a renovação e manutenção da democracia.

O voto do Brasil no exterior

As eleições gerais de 2022 entraram para a história com a participação recorde de eleitores brasileiros radicados no exterior. De acordo com o TSE, quase 700.000 pessoas estavam aptas a votar. Esse contingente é 32% maior do que durante o período eleitoral em 2018.

Foto: Tribunal Superior Eleitoral

Os dados do TSE mostram, ainda, que Lisboa é a cidade com maior número de eleitores do Brasil. Nesse contexto, a capital lusitana é seguida por Miami e Boston, nos Estados Unidos, Londres, na Inglaterra, e Nagoia, no Japão – uma das regiões onde o ex-presidente Jair Bolsonaro conseguiu ampla vitória nos dois turnos do atual pleito. As regras eleitorais para votar no exterior são as mesmas em vigor para aqueles que moram e votam no Brasil. 

O mérito do resultado do voto é garantido para todos na Constituição, mas, de acordo com os dados mencionados, muitos escolhem abdicar deste mérito, enquanto outros são barrados por agentes independentes dentro do atual governo, ao irem votar. A questão agora é arcar com as consequências de suas ações, como explica a professora.

“Acredito que eu devo manifestar o meu voto, independente de quem vai ganhar, eu preciso exercer esse voto e, quando eu não exerço, devo ficar inerte e devo permanecer inerte, se eu não fui manifestar a minha vontade eu devo aceitar tacitamente as decisões do representante escolhido pela maioria.”.