FBSP conclui que haveria menos homicídios caso flexibilização de armas não fosse aprovada
Por Livia Lavorato
Há 19 anos, foi aprovado o Estatuto do Desarmamento (ED – Lei 10.826/2003), uma iniciativa que partiu do deputado de direita, Rogério Peninha Mendonça (PMDB-SC). O projeto trouxe à discussão para a Câmara, com as definições e condições para compra de armas, como ter no mínimo 21 anos; apresentar documento de identificação (RG, CPF e comprovante de residência); ter atividade legal e não possuir antecedentes criminais ou ser investigado pela polícia por qualquer crime.
Para Bruno Langeani, coordenador de Sistemas de Justiça e Segurança Pública do Instituto Sou da Paz, que esteve na Câmara Legislativa para opinar contra a flexibilização da proposta, em 2019, o uso de armas de fogo poderia aumentar o número de mortes no país. De 2010 a 2018 foram comercializadas 1,4 bilhões de munições, mas apenas 31% do total possuíam marcações de lotes que permitiam o rastreamento. Ou seja, 69% são de rotas ilegais.
Na época em que o ED foi aprovado, por pressão da indústria brasileira de munição, exigiu-se das instituições com direito ao porte de arma o cumprimento dessa na compra de munição.
Com base nos dados divulgados pelo instituto Criança Segura, que monitora regularmente as informações divulgadas pelo Ministério da Saúde acerca da segurança infantil no Brasil, de 2013 a 2019, total de 621 crianças de 10 a 14 anos foram internadas com ferimentos provocados por acidentes por armas de fogo. Em São Paulo, foram registradas mais de 120 ocorrências, seguido da Bahia com 100 e Espírito Santo com 85 casos. Em 2018, o Amazonas registrou cerca de 4% da mortalidade provocada pelos mesmos, um aumento de 2,5% comparando-se aos outros Estados.
De acordo com o Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP), em documento publicado em setembro de 2022, o artigo concluiu que, “com base no cálculo aproximado, estimamos que se não houvesse o aumento de armas de fogo em circulação a partir de 2019, teria havido 6.379 homicídios a menos no Brasil”, e ainda que o Governo Bolsonaro foi responsável por este aumento.
No artigo publicado pelo FBSP consta: “Desde 2019, a legislação instituída pelo Governo Bolsonaro tem avançado fortemente no afrouxamento e descontrole de armas de fogo e munição”. O primeiro ano de atuação de Jair Bolsonaro foi marcado por 40 normativos que viriam em contrapartida do primeiro deferimento do Estatuto, “permitindo com que o cidadão comum tivesse acesso a armas de fogo de alto potencial ofensivo, sem haver qualquer exigência de comprovação de efetiva necessidade”. Nele, também conclui que o exército deixou de acompanhar a permissão para as munições e que os atirados desportivos pudessem obter até 60 armas, sendo até 5 mil munições para cada por ano (p.14).
Marcelo Miranda, 40 anos, natural da cidade de Raposos, Região Metropolitana de Belo Horizonte, tinha quatro anos quando foi encaminhado ao Hospital João XXIII com ferimento no braço, por acidente provocado por uma arma de fogo. O disparo também atingiu seu pai na cabeça, que acabou morrendo. Ele e sua família passaram a adotar o posicionamento contrário ao porte de armas após o incidente. Segundo Marcelo, mesmo sendo algo que o público tenha contribuído para a aprovação do plebiscito, o Estado ainda tem uma parcela de culpa por permitir a votação.
A família do fotógrafo tinha costume na prática de caça, por ser algo comum em cidades do interior. A tragédia foi marcada por um acidente, provocado por um descuido do local em que foi deixado o objeto, que acabou disparando e atingindo pai e filho. O irmão de Marcelo, o último a utilizar a arma, foi processado pelo Governo. “O Estado sempre arruma um jeito de colocar o `corpo fora`. A culpa sempre é da família, mas não do Estado que aprovou a flexibilização. A forma como a lei foi pensada e produzida vem de um histórico errado”, lamenta. Apesar disso, ele ainda acredita que o armazenamento é responsabilidade dos pais e por um “descuido”, acidentes como o que ocorreu com ele, acontecem.
Posse de armas
O Instituto Brasileiro de Opinião Pública (Ibope), no ano de aprovação da lei, divulgou que 82% das pessoas ouvidas eram a favor da posse de armas dos 145 municípios do país, por acreditarem que o regulamento diminuiria a violência, isto é, eleitores acima dos 16 anos que já possuíam direito de voto. Apesar disso, 67% tinham escutado sobre o Estatuto do Desarmamento, ou seja, 7 em cada 10 pessoas.
Para a advogada de Direitos Criminais, Lara Fabiana, a sociedade está “presa” ao paradigma de que a justiça brasileira “não é o suficiente” para manter a seguridade. “Existe todo um processo legal que ocorre por trás de cada decisão que não é passado para o público”. Segundo a criminalista, o sistema penal está “sequelado” e, por isso, os objetivos principais não são cumpridos, fazendo com que as pessoas procurem um meio de obter a “sensação de segurança”. “O ideal seria investimentos para prevenir os cidadãos, executar as leis e ressocializar aqueles que já cumpriram a pena, com base na constituição, não facilitar os meios da população em estar armada”, afirmou.
Em julho deste ano de eleições, Marcos Pollon, advogado e deputado federal eleito em outubro pelo Partido Liberal (PL), realizou um sorteio no qual uma das premiações é uma arma em divulgação nas suas redes sociais. No vídeo divulgado em podcast pelo YouTube, o político afirma que o produto se trata de uma furadeira, mas, de acordo com conversas divulgadas em grupos de whatsapp, são, na verdade, armas de fogo. Contudo, pela Lei 20.749 prevê multa de até 100 mil reais, já que a comercialização destes produtos e ilegal.
A também advogada criminalista, Carolina Mota, analisa historicamente a condição da sociedade e das leis e considera que isto ocorre por um “fenômeno sociológico, filosófico, psicológico”, que vai muito além do direito objetivo. “Inicialmente, existia o código de Hamurabi que tinha a máxima “olho por olho, dente por dente”, ou seja, as pessoas faziam justiça com as próprias mãos e o Estado agia de forma mais agressiva”, evidencia. Apesar disso, ao assumir o processo de evolução das leis, o Estado tomou para si tudo o que envolve a segurança pública e tenta, até a atualidade, combater o revanchismo.