Operação Penalidade Máxima: “Brasil é um sonho fiscal para casas de apostas”, afirma Paulo Crosara

Por Arthur Mesquita e Samuel Fernandes

Não há nada que impeça essas casas de apostas de atuarem, mas também não há nada que as coloque em conformidade com as leis brasileiras”, afirma o advogado criminalista Paulo Martins Costa Crosara, sobre a operação “Penalidade Máxima” que, nos últimos meses, tem sido uma sombra escura pairando sobre o cenário do futebol brasileiro.

Em um esforço incansável para erradicar a manipulação de resultados e os esquemas de apostas, essa operação tem ocupado as manchetes da mídia noticiosa. As investigações minuciosas, prisões preventivas de renomados jogadores, inúmeras denúncias e uma atenção constante do Ministério Público de Goiás, que lidera esse esforço desde o seu início.

Esta operação, agora em sua terceira fase de investigação, teve suas raízes nas primeiras denúncias que envolveram o clube Vila Nova de Goiás, e seu alcance só tem aumentado desde então. Leia a seguir os principais trechos da entrevista de Paulo Crosara.

Conecta: Quais são as possíveis punições que esses apostadores, que são os cabeças do
esquema, e os atletas podem enfrentar criminalmente e desportivamente?

Paulo Crosara: Bom, existem alguns crimes previstos no estatuto do torcedor que se parecem muito com os do Código Penal. Fazendo uma analogia com a corrupção passiva ou a corrupção ativa, tem o crime para quem recebe o dinheiro e para quem dá o dinheiro para manipular resultado. Então, eles vão responder mais ou menos pelos mesmos crimes.

“Esse tipo de crime tem uma pena prevista de dois a seis anos, que é uma pena relativamente alta, mesmo sendo um crime que não envolve violência

Esses crimes com penas acima de quatro anos justificam, inclusive, a prisão preventiva, ou seja, é uma pena alta que tem consequências sérias. Além da manipulação de resultado, os jogadores podem responder também por estelionato, juntamente com quem está pagando a eles para manipular resultados contra as casas de apostas que, neste caso, são vítimas porque os apostadores estão manipulando para receber um dinheiro que não deveriam. Desportivamente, o código do torcedor também prevê a questão de o atleta ser suspenso ou mesmo excluído das competições.

Conecta: Qual é a diferença do atleta que apenas, entre aspas, “participa” da manipulação de resultado, por ação própria, para aquele que alicia outros jogadores?

PC: Bom, aí tem uma questão que a gente chama, no direito, de dosimetria da pena. Cada um vai responder por um crime. Quando você concorre por um crime, já responde por ele qualquer que seja a sua conduta. E aí você vai responder na medida da sua culpabilidade. E quem vai fazer isso é quem está julgando. Então, se você está dentro de um esquema, é você que responde. Como você mesmo disse, entre aspas, “o jogador apenas toma um cartão.” É uma participação menor e pode pegar uma pena menor. Agora, se está dentro do esquema, aliciando, já é outro crime. Então, esse tipo de coisa será tratado dentro da dosimetria da pena por quem está julgando. Seja desportivamente ou criminalmente.

Conecta: Qual é a diferença do atleta que apenas, entre aspas, “participa” da manipulação de resultado, por ação própria, para aquele que alicia outros jogadores?

PC: Bom, aí tem uma questão que a gente chama, no direito, de dosimetria da pena. Cada um vai responder por um crime. Quando você concorre por um crime, já responde por ele qualquer que seja a sua conduta. E aí você vai responder na medida da sua culpabilidade. E quem vai fazer isso é quem está julgando. Então, se você está dentro de um esquema, é você que responde. Como você mesmo disse, entre aspas, “o jogador apenas toma um cartão.” É uma participação menor e pode pegar uma pena menor. Agora, se está dentro do esquema, aliciando, já é outro crime. Então, esse tipo de coisa será tratado dentro da dosimetria da pena por quem está julgando. Seja desportivamente ou criminalmente.

Conecta: Em caso de acordo com o Ministério Público, como isso muda o julgamento?

PC: Hoje em dia, existe um tipo de acordo conhecido como “acordo de não persecução penal”. Esse acordo é uma medida despenalizante, aplicável quando a pena mínima prevista para o crime é de até quatro anos. Portanto, dependendo da gravidade dos crimes imputados e se a pena mínima ultrapassar esse limite, a possibilidade desse acordo não está disponível. No entanto, quando a pena mínima do crime é de até quatro anos e o indivíduo é primário, ele tem a opção de celebrar esse acordo.
No âmbito desse acordo, a pessoa aceita uma pena antecipada, confessando o crime em questão. A característica marcante desse acordo é que não há a instauração de um processo penal formal. Consequentemente, o indivíduo não será considerado reincidente. Portanto, a pessoa permanece com sua ficha criminal limpa, mas concorda em pagar uma pena antecipada, que, na maioria das vezes, é de natureza financeira, ou seja, pecuniária.
Por exemplo, se o indivíduo causou um prejuízo de mil reais, essa é a base usada pelo Ministério Público para calcular não apenas a restituição do dano causado à vítima (seja uma casa de apostas ou qualquer outra pessoa afetada), mas também uma prestação pecuniária destinada ao benefício público. Portanto, essa pena vai além da reparação do dano causado.
Além disso, quando se trata de crimes que envolvem várias pessoas e podem ter conexão com organizações criminosas, há a possibilidade de celebrar um acordo de delação premiada. Nesse caso, a pessoa que colabora com as autoridades, fornecendo informações relevantes sobre outros envolvidos, não se trata de uma admissão de culpa pessoal, como no acordo de não persecução penal. É necessário, nesse caso, apresentar provas substanciais da culpabilidade de terceiros, não apenas com base em seu testemunho, mas também em documentos, conversas, áudios ou outras evidências tangíveis que possam contribuir para a investigação.
Em troca da cooperação efetiva, o Ministério Público tem a prerrogativa de reduzir ou mesmo perdoar a pena do delator. Portanto, há essencialmente dois tipos de acordos que uma pessoa pode estabelecer com o Ministério Público, dependendo das circunstâncias e da natureza do crime envolvido.

Conecta: Os jogadores podem ser processados na justiça comum? Algum torcedor abriu processo contra um jogador por se sentir lesado?

Sim, nós já tivemos experiências, no passado, com torcedores que, através do Estatuto do Torcedor, tentaram buscar reparação civil seja por danos morais ou por danos materiais, como o valor do ingresso. Chegaram até a tentar anular uma partida devido ao seu descontentamento, mas sem muito sucesso. Essa é uma questão delicada pois, no Código Civil, quando há causas de dano moral, é necessário indenizar a parte lesada.
No entanto, essa situação fica um pouco subjetiva, dependendo da interpretação, e vai se desenvolvendo ao longo do tempo com base nos diversos processos e na jurisprudência que se acumula. Não sei se seria viável que todos os torcedores que já estiveram em um estádio ou assistiram a um jogo na televisão decidissem entrar com processos dessa natureza. Na minha opinião, isso poderia gerar uma verdadeira confusão.
Portanto, não acredito que esse tipo de ação vá prosperar.

Se um torcedor se sentir prejudicado e buscar reparação por danos morais ou, até mesmo, materiais devido ao preço do ingresso de uma partida que foi anulada, talvez possa encontrar uma solução recorrendo ao Juizado

Conecta: Pelo lado do atleta, como ele pode se defender nessa questão: com o apoio dos clubes ou individualmente?

PC: No primeiro momento, estamos vendo alguns clubes deixando de lado os atletas. Cada um é livre para contratar o advogado que preferir e seguir a linha que escolher. Pode ser tanto a linha de fazer um acordo quanto a de tentar negar a culpa, só que o problema é que está tudo muito bem documentado, com áudios, conversas e tudo mais. Portanto, acredito que o que vai acontecer mesmo é uma série de acordos para obter uma restituição rápida e encerrar esse assunto o mais rápido possível. Além disso, não é bom para ninguém, pois os patrocinadores das ligas e tudo mais não querem estar associados a um produto que está sob investigação criminal.
Portanto, acredito que haverá pressão para resolver isso o mais rápido possível através desses acordos que mencionamos antes, com restituições e punições, que podem variar de dez dias a um mês. Eu acredito que será esse o desfecho final. E como não é bom para ninguém, nem para os patrocinadores – especialmente as casas de apostas, que são patrocinadoras maciças das competições de futebol brasileiro –, nem para a CBF, nem para a liga, essa é uma situação que precisa ser resolvida o quanto antes.

Conecta: Existe alguma possibilidade das competições no Brasil serem paralisadas?
PC: É uma possibilidade. Mas, pelo que estamos vendo, não parece ser o que vai acontecer. Houve até mesmo um episódio de fake news no WhatsApp. As pessoas disseram que um jornalista do SporTV afirmou que o Campeonato Brasileiro seria paralisado, mas ele teve que desmentir essa informação posteriormente, afirmando que nunca havia dito tal coisa.
No entanto, a paralisação pode, de fato, ocorrer, principalmente se a justiça entender que estão ocorrendo crimes em série dentro dessa competição e que a própria competição está incentivando a continuidade desses crimes.

Conecta: A justiça tem poder pra isso? 
PC:
Tem, mas como eu falei, não acredito que vai acontecer porque envolve muito mais gente. É uma paixão nacional, envolve grandes redes, grandes emissoras, patrocinadores milionários, então, não acredito que isso seja assim. Na prática, não é uma possibilidade real.

Conecta: Há possibilidade de as casas de apostas serem penalizadas? Apesar de não serem regulamentadas no Brasil? 
PC: Não, não há nada que impeça essas casas de apostas de atuarem. Mas também não há nada que as coloque em conformidade com as leis brasileiras. Na verdade, as casas de apostas estão vivendo um verdadeiro sonho legislativo. Isso se deve ao fato de que, durante o governo Temer, uma alteração na lei brasileira foi aprovada permitindo a operação dessas casas de apostas. É por isso que testemunhamos esse rápido crescimento, com elas patrocinando todos os clubes e competições. A regulamentação deveria exigir que as casas de apostas tivessem um representante e um CNPJ no Brasil, com sede aqui. Além disso, elas deveriam manter um lastro financeiro depositado no Banco Central, caso quebrem e precisem ressarcir os apostadores. Essa regulamentação nunca ocorreu. Portanto, essas casas de apostas são permitidas, mas não estão sujeitas às leis brasileiras. A lei brasileira permitiu sua existência sem exigir que elas cumprissem qualquer regulamentação específica. Isso criou uma situação caótica. Os donos dessas casas, muitas vezes, operam a partir de servidores localizados em ilhas no Caribe, como Curaçao, e são proprietários de uma empresa que é proprietária de outra empresa, e assim por diante.