Maio Laranja: Carolina Dantas, psicoterapeuta sistêmica, conta como identificar e tratar crianças abusadas

Por Ricardo Davidovsk

De acordo com um post na Evonline, o laranja é uma cor vibrante, cheia de energia; é ativa, alegre e estimulante. É tudo que uma criança deveria ser, mas acaba sendo o contrário quando algo de errado está acontecendo. Infelizmente, o Disque 100, serviço para denúncias sobre violações de direitos humanos, recebe diariamente 37 relatos de crimes de violência sexual contra menores no Brasil. Para se ter uma ideia, entre janeiro e abril deste ano, foram 4.486, mais que o dobro das denúncias no mesmo período de 2020, quando começou a pandemia.

O que escancara a necessidade do Maio Laranja, o mês onde se enfatiza o enfrentamento da violência e da exploração sexual de crianças e adolescentes. O artigo 4 do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA, Lei Nº 8069/90), fundamentado pelo artigo 227 da Constituição Federal de 1988, aponta que é dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança e ao adolescente, com absoluta prioridade, o direito: à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária.

Mas quais são os sinais de uma criança violentada e explorada sexualmente, já que, além de combater a violência e exploração sexual, o objetivo da campanha Maio Laranja é conseguir também identificá-la?

Para Carolina Dantas, psicoterapeuta Sistêmica e coautora do livro “Meu Adolescente: Diálogos, Memórias, Conexões”, com quem conversei através do WhatsApp, existem dois tipos de evidencias: os sinais físicos ou as provas imateriais. A provas materiais, aquelas que conseguimos ver, seriam mais fáceis de identificar, no entanto a criança pode esconder por medo das consequências. Dessa forma, o olhar e a percepção devem estar aguçados para perceber mudanças de comportamento do jovem.

Arte: Prefeitura de Belo Horizonte (PBH)

“Medo ou mesmo pânico em relação a certa pessoa ou um sentimento generalizado de desagrado quando a criança é deixada sozinha em algum lugar com alguém”, é um dos sintomas segundo a psicóloga. “Uma das mais importantes e detectáveis pode ser “mudanças extremas, súbitas e inexplicadas no comportamento, como oscilações no humor entre retraimento e extroversão”.

Segundo a psicóloga, a criança pode regredir a comportamentos infantis, como choro excessivo sem causa aparente, enurese (emissão involuntária de urina) e até chupar dedos. A tristeza, abatimento profundo ou depressão crônica também foram comentados por ela como itens que evidenciam que algo está errado na criança, como se ela mandasse um sinal do tipo “ei, me ajudem!”.

“Fraco controle de impulsos e comportamento autodestrutivo ou suicida”, continua ela. ”Baixo nível de estima própria e excessiva preocupação em agradar os outros; vergonha excessiva, inclusive de mudar de roupa diante de outras pessoas; culpa e autoflagelação; ansiedade generalizada, comportamento tenso, sempre em estado de alerta, fadiga; medo do escuro ou de lugares fechados; comportamento agressivo, raivoso, principalmente dirigido contra irmãos e um dos pais não incestuosos; alguns podem ter transtornos dissociativos na forma de personalidade múltipla”.

A importância de identificar uma criança vítima de violência e abuso sexual o quanto antes pode ajudar a amenizar os efeitos no futuro do jovem, o que não quer dizer que eles deixarão de existir. De acordo com Carolina Dantas, no futuro a criança poderá ter dificuldade de ligação afetiva e amorosa, além de dificuldades em manter uma vida sexual saudável. Além da fratura mental que uma criança carregará para o resto da vida após ser abusada sexualmente, ela pode também ter sequelas dos problemas físicos gerados pela violência sexual. Outro ponto tocado pela psicóloga é tendência a sexualizar demais os relacionamentos sociais, o engajamento em trabalho sexual (prostituição) e a dependência em substâncias lícitas e ilícitas.

Por tanto, o quanto mais rápido identificar a vítima melhor será para o início imediato do tratamento.

E como esse tratamento é feito? Se for identificado o estupro, Carolina Dantas aconselha o imediato encaminhamento da criança/adolescente ao serviço educacional, médico, psicológico, jurídico-social. “Isso é fundamental para diminuir as sequelas do abuso sexual no cotidiano da criança e do adolescente e evitar que se tornem abusadores quando adultos”, declara ela.

Para ela, o atendimento precisa ser sistêmico. “Toda a família parecia de acompanhamento”, diz ela. Em seguida ela dá um norte de como deve funcionar esse tratamento. “O atendimento psicológico deve ter como objetivo a nomeação e elaboração da violência”, comenta a psicóloga. “É necessário trabalhar as lembranças e memórias traumáticas, possíveis sentimento de culpa e vergonha, desresponsabilização da vítima e acolhimento de todo e qualquer sentimento motivado pela situação de abuso.

A psicóloga ressalta a importância do ouvido amigo. “Recontar, dramatizar e desenhar são ferramentas utilizadas para a elaboração do trauma. Ser ouvido sem julgamento é curativo”, acentua a profissional. E coloca uma ênfase na importância dos tutores dessa criança. “O trabalho com pais/cuidadores é fundamental para que a criança seja acolhida e amparada”.

Toda criança tem o direito de ser laranja, de ser vibrante, com muita energia para gastar, de ser ativa, transmitir alegria para todos e bastante estimulante. Por tanto, não hesite de discar um 100, serviço para denúncias sobre violações de direitos humanos, caso veja algum sinal semelhante ao que foi citado na matéria.

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